Uma xícara de chá

Toquei seu rosto com delicadeza, levando a xícara até sua boca. De seus lábios enrugados, escorria aquele segredo guardado há anos.
- Você precisa saber... – tosse, sangue – que é adotada. Eu... –tosse, sangue – peguei você na maternidade. Aquela mulher não poderia criá-la, minha filha, eu sei disso. Por isso eu trouxe você embora. Nunca descobriram. Nem mesmo seu pai acreditou que você não era minha. Tão parecida... Não contei a ele que sua irmã... – tosse, sangue – nasceu morta.
Eu não disse nada enquanto a ajudava a beber o resto do conteúdo da xícara. Respirei fundo.
- Eu sei, mamãe. Eu sei. Já tem alguns anos, na verdade. Quando eu descobri que você matou a própria filha recém-nascida, eu não fiquei tão chocada. Sabia que você era um monstro. E então você se arrependeu, não foi? Foi por isso que me roubou? Provavelmente deixou minha mãe pra morrer em algum canto. Pena que eu nunca vou saber como você fez isso, mas saber que fui eu que matei você já me deixa satisfeita.
Seus olhos se arregalaram. Parecia que a velha finalmente perdera a voz.
- O que foi, eu não sou sua filha, afinal? Que fruta cai longe do pé? Todos os dias do último ano eu coloquei um cristalzinho de antimônio no seu chá. Sabia que uma dose única não mata? Mas o corpo consegue absorver doses pequenas. Brilhante, né? Também achei.
Seu rosto já parecia sem vida quando eu terminei de falar.
- Vá em paz, mamãe.

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