Postagens

Mostrando postagens de julho, 2018

Silêncio

Imagem

O índio do buraco

Vinte e dois anos passaram Nenhuma palavra trocada E o sangue que foi derramado Maculava aquela terra Pobre índio! Sozinho Ele ficou no buraco Perdido, cansado Tudo lhe foi ceifado Sua alma virou caco Triste índio! Sozinho O homem branco que interfere É o mesmo que matou Por isso não quer contato Depois do que lhe foi tirado Só a solidão restou Forte índio! Sozinho Anda nu pela sua terra Só espera ser respeitado Nem mesmo se importou Quando viu que foi filmado Anda índio! Sozinho Tentando viver em paz Abraça o isolamento Caça o bicho Planta o milho De onde vem o seu sustento Chora índio! Sozinho

Milo

Milo sofria todas as noites. Cada vez que fechava os olhos, era atormentado pelo mesmo pesadelo. Estava preso dentro do armário, amordaçado, e algo abria a porta lentamente para devorá-lo. Sempre que seus pais o colocavam na cama, ele chorava, implorava para que não fossem sem checar o armário e sempre ouvia a mesma resposta. - Não tem nada ali, filho! Sua mãe o cobria até o pescoço, como ele pedia. Seu pai deixava uma fresta da porta aberta, para que o quarto não fosse completamente inundado pelo escuro. Mesmo assim, Milo quase não dormia, encarando o armário. Sua pele estava cada vez mais pálida, suas olheiras profundas demais para uma criança da sua idade. Milo não parecia mais o mesmo. Um dia, cansado, mas munido de grande coragem, ele resolveu abrir por si mesmo a porta do armário. Lá dentro, amarrado e amordaçado, os olhos arregalados de medo, estava Milo.

Vazio

Vazio por todos os lados. Eu estava rodeado de um incrível nada. Tudo era apenas escuridão e eu já não sabia mais se os sentimentos que brotavam no meu peito eram derivados do desespero que aquela situação me trazia ou eram apenas um reflexo difuso do meu interior tentando se adaptar ao infinito. O nada era pura agonia. Eu não sabia o que estava acontecendo. Meu corpo me obedecia e me traía ao mesmo tempo, permitindo que eu existisse naquele caos, mas não mais do que isso. Tudo ao meu redor me desorientava e eu me sentia flutuando. Eu não tinha noção de tempo. Podiam ter se passado segundos ou anos, mas para mim sempre foi tudo interminável. Eu estava perdido, sozinho, aprisionado. Eu esperava que, em algum momento, o vazio se tornasse acalentador para minha alma cansada e eu simplesmente conseguisse me deixar ir, mas algo sempre me puxava de volta. Eu a ouvia, mas não sabia se eram sonhos perdidos em meu inconsciente ou se nada naquilo nunca nem chegou a ser real. Ela era real.

Todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que passou

Mais uma vez, Diana acabou se escondendo dentro de si mesma. Ela fazia planos antes de dormir, pensava em como a mudança da sua vida começaria no dia seguinte, mas, ao acordar, nada mudava.  Era um pouco desesperador pensar que, dia após dia, sua vida seguia exatamente igual, e Diana perdia horas de sono todas as noites, ansiosa sobre como seria o dia seguinte. Em teoria, ela sabia o que precisava fazer, mas na hora de por em prática, sempre se tornava difícil, sempre haviam obstáculos que pareciam intransponíveis.  Ela levantava da cama, tomava um banho, olhava seu cabelo no espelho e pensava que precisava cortá-lo, talvez amanhã. Comia demais no café da manhã e decidi iniciar uma dieta, mas hoje estava com muita fome. Vestia suas roupas largas, ponderando se talvez não devesse comprar peças novas. Ia para seu emprego monótono, que pretendia largar, mas tinha medo. Aquela colega que ela achava simpática continuava a conhecendo apenas de vista, não havia motivos para atrapalhá-l

Um corpo na cozinha

O homem gira a chave da porta e para, abruptamente, ainda na soleira. Não há nenhum som dentro da casa. Com movimentos lentos, ele fecha a porta atrás de si e olha ao redor. Empalidece ao ver uma mão branca atravessando o corredor a sua frente e corre até o corpo, na cozinha. Sem tocar o cadáver, pega o telefone no bolso do casaco para comunicar à polícia que havia encontrado sua esposa morta próxima a um frasco de comprimidos no chão. Ao desligar, ele está sorrindo.

Observações sobre um dia inacreditavelmente comum

Na estação de trem, a fila para a compra de bilhetes estava gigantesca. Duas meninas conversavam sobre como era decepcionante que não houvesse água com gás na filial do Bob’s onde elas fizeram a compra, obrigando-as a beber água sem gás. Na plataforma, aguardando o trem, pessoas se aglomeravam em pontos estratégicos que correspondiam ao lugar onde as portas do próximo trem se abririam, buscando serem as primeiras a entrar e conseguir um assento vago. Como já não era horário de pico, sobraram lugares vagos quando o trem saiu da estação Mercado. Mesmo assim, um rapaz loiro escolheu sentar-se no assento preferencial. Na estação seguinte, uma senhora idosa muito acima do peso resolveu sentar-se ao lado do rapaz, quase o derrubando do banco, obrigando-o a levantar. Em outro ponto do vagão, uma criança cochilava em pé, escorada em um adulto, provavelmente seu pai. Era escolha de ambos continuarem em pé, pois havia lugares vagos. Ao descer do trem, em Canoas, um senhor conversava com

O gato

Eis que a menina encontrou um gato perambulando pela frente da sua casa. Sempre fora o sonho de Ana encontrar um gato perdido pelas redondezas, sentir que ele a havia escolhido, mostrá-lo para sua mãe e ficar com ele para sempre. O gato a esperaria chegar da escola, brincaria com ela e dormiria em sua cama, sendo seu inseparável companheiro, parceiro para as mais incríveis aventuras. Agora, ali estava ele. Sua altivez felina exalava o poder hipnótico que aquela pelagem cor de mel exercia sobre a pequena criança. Ela o olhava intensamente, acompanhando cada pequeno movimento que aquele ser magnífico fazia. Ele se aproximou de Ana, cauteloso, avaliando se poderia tirar proveito daquele contato ou se ela era apenas mais uma humana curiosa. A menina, que já o via há dias andando pela Alameda do Viés, desta vez estava preparada. Ela carregava, em sua pequena mão, um petisco discretamente furtado na hora do almoço e o aguardava sentada nos degraus de entrada da sua porta. Quando ela o vi